quinta-feira, 10 de julho de 2008

Cuidado com os criativos. Eles são muito perigosos.

Gente fala em clientes, contatos, gerentes de marketing, redatores, diretores de arte, consumidores e a primeira coisa que eu queria dizer é que eles não existem. Na verdade, são apenas pessoas executando uma ação de comprar um bem, ou escrever um texto ou dirigir uma empresa. Na verdade, somos parte de um grande mar de pessoas e o nome da nossa profissão é: pessoas.

O esquecimento deste fato é que gera os grandes equívocos profissionais e, em muitos casos, os fracassos dos produtos e das empresas. O industrial que fabrica aparelhos de som se envolve tanto com o produto que acha que aquilo que ele está vendendo é um mini system com 100 watts de potência de saída, woofer, catalizador, tecla sap e outras criptografias do gênero. Qualquer anúncio que transmita exatamente isso, escrito em português ou grego, tem exatamente o mesmo efeito: ninguém tem a menor idéia sobre o que você está falando. Porque quem compra um mini system com 100 watts de saída é um ser humano, cujo desejo principal é ouvir música. A potência do sistema só tem valor enquanto fator de melhoria da qualidade do som que se pretende ouvir. Os fabricantes em geral levam muito a sério os seus produtos. O consumidor nem tanto. Uma pesquisa feita pela Talent, há anos, sobre percepção de anúncio de revista, revelou que o índice de lembrança variava de no máximo 80% em um bom anúncio para um mínimo de zero. Ou seja, um dos anúncios não foi registrado por nenhuma das cem pessoas que o leram. Exatamente um anúncio cheio de informações. Por que as pessoas não registraram? Porque ninguém é capaz de registrar instantaneamente um grande número de informações. Eis porque existem poetas e criadores. Quando o Chico Buarque diz "passas em exposição, ver teu vigia catando a poesia que entornas no chão", coloca tal quantidade de informações nesta frase que permitiria escrever-se uma peça. No anúncio mais famoso de todos os tempos, "Think Small", para o Fusca, há mais argumentos sobre por que uma pessoa compraria este carro feio, lento, inseguro e desconfortável, do que os alemães poderiam colocar em 40 páginas de texto. Esta síntese milagrosa criou um dos maiores sucessos da indústria automobilística de todos os tempos. É por isso que o mundo precisa de poetas. É por isso que a comunicação precisa de criatividade.

O mundo às vezes se esquece disso e paga caro. Nos anos 80, inventou-se um monstrengo chamado reengenharia que, em nome da eficiência, demitiu dezenas de milhares de pessoas no mundo inteiro. Fechou fábricas, cortou investimentos em pesquisas, trocou a comunicação e os investimentos na marca e nos conceitos de produtos por ofertas diretas de preços e conveniência. A propaganda ficou, por uns tempos, direta, racional, informativa, vendedora e burra. Diretores financeiros e administrativos assumiram as empresas e, em muitos casos, as agências de propaganda. Existe a piada de um especialista de reengenharia que foi contratado para fazer a reengenharia da Filarmônica de NY. Ele começou o relatório dizendo que desde logo notara um grande desperdício que, por observação dos 40 violinos, pelo menos 20 tocavam a mesma melodia; percebendo também que o músico mais caro e de melhor qualificação não tocava instrumento nenhum e ficava na frente gesticulando. Terminou por reduzir a Filarmônica a 17 músicos e colocou um violino na mão do maestro. Ninguém mais assistiu à Filarmônica. E foi exatamente o que aconteceu com as empresas. Cortaram os custos, mas perderam a competitividade e, em muitos casos, a marca e até a empresa.

Este foi o período da propaganda pragmática. Caracterizou-se por uma tentativa frenética de rebaixamento das taxas das agências, aviltamento nos custos de produção, aumento de promoção e telemarketing, liquidações e lançamentos de produtos depenados. O resultado dessa filosofia pragmática foi a quebra de setores inteiros de lojas de varejo. Por exemplo: Macys, Sears, Bloomingdales nos Estados Unidos e Mappin e Mesbla no Brasil, entre outros. Aí, os empresários começaram a perceber que alguma coisa estava errada. Começaram a perceber que empresas que não tinham feito liquidação, não tinham depenado seus produtos e feito propaganda, estavam tendo resultados muito melhores . A Brastemp, a Semp Toshiba e a Coca-Cola, por exemplo, fizeram o contrário, investiram pesadamente em criatividade para suas marcas. Da mesma forma, a Nike, Budwieser etc. etc. O panorama hoje é de uma procura frenética pela criatividade. Nunca obtive, na minha experiência profissional, uma demanda, uma fome tão voraz pelo novo, pelo original. Este é um fenômeno mundial.

Por que o criativo é importante? Simplesmente porque é percebido. Cada vez mais a ciência tem destrinchado os componentes biológicos do comportamento e descoberto que não há compra que não seja emocional. Um fato que se descobriu também é que a lembrança é diferente da memória. A lembrança é um instrumento de utilização rápida, a memória é um instrumento de utilização lenta. Quase todo mundo lembra como se chamava sua primeira professora. A minha tinha o nome singelo de Alice. A lembrança fica disponível por um período muito longo se estiver associada a elementos emocionais. Exemplo: cantar. A quantidade de letras de músicas que uma pessoa é capaz de lembrar instantaneamente é maior do que qualquer texto memorizado. Sem exceção. Uma informação que esteja associada ao ato de rir ou chorar se torna uma lembrança forte. A informação numérica e racional ninguém consegue guardar. Às vezes, nem o telefone da própria casa. Por exemplo: todo mundo sabe de cor o número do seu CIC? Mas a letra de Garota de Ipanema, que tem um número muito maior de informações do que os 11 algarismos do CIC a gente consegue guardar. Ser criativo é transformar informações irrelevantes sobre produtos igualmente irrelevantes num ato emocional da percepção. A percepção dificilmente ocorre por informação verbal direta. Imaginem na campanha "Não é assim uma Brastemp", se falássemos de chapas de aço etc. Ninguém guardaria. É isso que o mundo está descobrindo de novo. Chamo de nova, uma descoberta muito antiga.

Já tinha um senhor no século XVI que escreveu uma história sobre namorados chamada Romeu e Julieta. Se você analisar, no fundo é uma história trivial ou besta, mas na forma criativa se tornou imortal. Representada há mais de três séculos. É evidente que o fator de perpetuação não é a história, mas a forma genial de montar enredo e diálogos que permitam sintetizar nesta peça a história de todas as paixões do mundo. Mas ela não resistiria a uma análise racional do enredo. É a história de uma moça e de um rapaz de duas famílias inimigas, que se apaixonam. Aí a moça toma um veneno de mentirinha, finge que está morta. O rapaz acha que é de verdade e se mata, e ela se mata também. Ponha assim em um roteiro e tente vender a um cliente. A gente está no negócio de transformar a percepção em um ato emocional. Pegue o Hino Nacional e tente descobrir o que ele quer dizer. No entanto, as pessoas choram quando o ouvem. Para que serve um bebê? Qual é a utilidade de se apaixonar? Quanto custa um sorriso? Se repararem bem, estou falando de quase tudo que constitui a nossa existência. Estou falando das guerras, das grandes obras e talvez até do fim do mundo. Agora, nenhuma dessas coisas é racional, porque as pessoas são seres emocionais dominantemente. Racionalidade é uma faculdade operária que serve para a gente aprender a amarrar sapato e somar a conta do supermercado.

O nome da nossa profissão é "pessoas". Quanto mais racional você tentar ser, mais você vai se afastando delas. Acredite na criatividade, no amor, na paixão, isso é que é lógico. Um dos maiores gênios criativos de todos os tempos da propaganda foi Willian Bernbach. Ele criou anúncios fantásticos para VW, Alka Selzer, Polaroid. Ele tinha duas frases: A 1ª: Desconfio das pesquisas. Os executivos que gastam muito tempo lendo as pesquisas para saber o que acham do seu produto, esquecem que a finalidade da propaganda é justamente modificar o que as pessoas acham dos produtos. A 2ª frase: "O risco maior que existe para um anunciante é tentar fazer propaganda sem risco." O medroso atrai a bala. As piores campanhas são sempre geradas pelas melhores intenções. Tentar fazer uma campanha estritamente baseada em dados de pesquisas é o mesmo que colocar um gene de jumento no corpo de uma borboleta.

Alguns dos homens mais ricos e bem-sucedidos do mundo são gênios criativos. Bill Gates, por exemplo, não possui um metro quadrado de terra nem operários e é o homem mais rico do mundo. E só vai continuar rico se continuar criativo. Steve Jobs, que inventou o computador pessoal, ganhou cem milhões de dólares, com 24 anos de idade. Um dia os acionistas da sua empresa acharam que ele era imaturo e sonhador, foi demitido e contrataram um executivo racional. Em alguns anos, a Apple quase foi à falência. Foram buscá-lo de volta. Em seis meses, inventou o IMAC. Fez acordo com a IBM, fez acordo de parceria com Bill Gates, ganhou um bilhão de dólares numa noite e transformou a Apple de novo em um império.

Criatividade e seriedade são duas coisas completamente compatíveis. As pessoas tendem a confiar nos banqueiros e desconfiar dos poetas. Mas são os poetas que mudam o mundo.


Autora: Ana Carmen Longobardi

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